14.4.10

o amigo imaginado VIII

para leandro paz, que me emprestou a imaginação

se a realidade não dá conta do recado, evoquemos uma outra. foi o que fiz, por volta dos meus dezesseis, no esforço por preencher buracos. era viver de mãos dadas com a imaginação, não sabia ao certo se por necessidade ou por escolha, para aplacar solidões, silêncios, desenredos. é certo que a tática nem sempre funciona, mas a tentativa costuma ser, no mínimo, divertida. acontece que tudo andava meio sem graça e os amigos desinteressantes demais. foi nos cantos de tédio do cotidiano que ‘os lêmures’ ganharam seus contornos. o grupo tinha quatro integrantes: alexander sagres, fabiano tarlesch, victor freire e eu. quando queria dar um pouco mais de emoção aos meus enredos, matava algum deles, normalmente o baixista, e o substituía pela bela e brilhante lívia kranz. todos eles, entre os quais eu me incluía, com personalidades e papéis bastante específicos a serem desempenhados em minhas misancenes imaginadas. seus nomes, muitas vezes de origem estrangeira, me aproximavam daquele desconhecido que eu, embora não tivesse contato real, sabia que existia e queria alcançar. dávamos tão certo que chegamos a gravar quatro álbuns. os títulos das músicas eram roubados de nomes de discos, filmes, contos e o que mais me aparecesse à vista. eu cuidava para que estivéssemos sempre envoltos por um mar de entrevistas, frases e conversas engraçadas. então, toda vez que queria evocar uma situação qualquer entre amigos, era a eles que eu recorria. durante cerca de dois anos, minhas fantasias escapistas com a banda, esse amigo imaginário coletivo, funcionaram bastante bem. mas, finda a adolescência, já não pegava muito bem andar com eles por aí. esquisitos e barulhentos que eram. e imaginários. só anos depois fui conhecer pessoas de verdade quase tão interessantes quanto os meus queridos lêmures. hoje, homem crescido, tenho que  me esforçar em segredo para mantê-los guardados nos confins da minha imaginação. eles sempre tentam pular à superfície, acho que com saudade de mim. a tarefa só fica realmente árdua nos dias de tédio, quando a saudade aperta também do lado de cá.

4 comentários:

Lepz disse...

Excerto do verbete da banda Os Lêmures, da enciclopédia brasileira da música alternativa:

“Lívia Evgenia Kranz [1989-1990] tocou com os Pentâmetros Iâmbicos e na Orquestra Celofane antes de se juntar aos Lêmures, substituindo o baixista Fabiano Tarlesch, morto ao se engasgar com a rolha de uma garrafa de vinho numa festa com groupies (ou ao se atirar do alto do seu apartamento de quatro andares no Leblon, aterrisando sobre um toldo, caindo intacto na calçada para, em seguida, ser atropelado por um motoboy da domino’s que cortava caminho pela calçada; não se sabe direito, as versões são muito contraditórias).

Livia K. participou dos dois últimos discos de estúdio da banda (‘bezoar’, ‘quase póstumo’) e chegou a assumir os vocais principais em algumas músicas, como Campo de Força e That’s Not True, But I Think It Fits. Foi cortejada tanto pelo guitarrista Alex Sagres e pelo baterista Victor Freire. A disputa foi amistosa e resolvida sem traumas. O baterista levou a melhor. Mais tarde, em entrevista à Rolling Stone, Lívia, não sem certa malícia, que, apesar de ter se envolvido com os dois companheiros de banda, ser par de Victor e não de Alex, ‘foi uma escolha pela energia em detrimento do ego’).

Lívia Kranz é ainda a única integrante dos Lêmures a ser mencionada nominalmente na famosa antologia de amigos imaginados de Diana Sandes, no capítulo oitavo da série, publicado no lendário Sinfonia Para Homens Bons, em 2010.”

Lepz disse...

adorei o texto, aliás. :)

diana sandes disse...

hahahaha
na primeira versão eu mencionei todos com cuidado, descrevendo personalidade e tudo. lívia aparecia por último, com menos importância. mas relendo percebi que tava chato, então cortei fora. foi mal pelo assassinato. são todos muito queridos.

Crii's disse...

Adoreii seu blog.

e neste momento estou ajudando a uns amigos na divulgação de um evento artístico que ira acontecer no rio de janeiro..

Gostaria de poder te passar um release do projeto...Para que você possa nos ajudar como puder.

Manda uma msg, pra

crica100@hotmail.com que em seguida lhe envio tudo...Agradeço.

Cristina de Moraes