26.11.09

o amigo imaginado I

radamés adorava me observar, em segredo, enquanto eu dormia. foi assim da primeira vez, quando deslizando do sono que se interrompia com a chegada da luz da manhã que rasgava as hastes verdes da persiana, meus olhos recaíram sobre sua pequena figura, com corpo de gente e estatura de inseto, boneco, caneta. aos poucos fui me afeiçoando a radamés e ao sorriso com o qual me recebia toda manhã, encostado no travesseiro, os olhinhos brilhando, bom dia. e fui também me apaixonando, paixão recíproca. foi com ele meu primeiro beijo. radamés percorria a cidade balançando no meu bolso, escondido na minha mochila ou andando por baixo dos meus cabelos, castanhos compridos, embrenhando-se pelo pescoço e por onde mais quisesse. estávamos sempre conversando, eu e ele, entusiastas em situações de exílio. eu gostava de estar com ele no quarto, sozinha, e receber a visita inesperada de alguém, como minha mãe abrindo a porta, de repente. o coração acelerava e parecia que aquilo tudo era mesmo divertido, sobressaltos. e logo desejar que ela fosse embora, porta fechando, minha paz, radamés saindo de um esconderijo qualquer. era preciso cultivar o segredo, viver do segredo. acho que foi assim que eu comecei a gostar de estar sozinha, pra estar com ele.

2 comentários:

Lepz disse...

você não sentia cócegas com as pisadas pequeninas de radamés na sua nuca enquanto você, sei lá, tentava fazer uma prova?

ou será que ele ficava lá, fazendo a sesta, aninhando na cavidade das suas saboneteiras, encoberto por uma mecha de cabelo?

Lepz disse...

*aninhado. de fazer um ninho e tal. :P