12.12.07

Saiu no sol é pra se molhar (ou um ano de chuva na cabeça)

Quarta-feira, doze de dezembro. O ano acabando e esse dia me aparece tão bizarramente “normal” como todos os outros dias do ano. E como meu estado de espírito. Simples metonímia? Simples não, nunca. Acordo uma hora da tarde pra consagrar meu primeiro dia de férias (oito períodos dentro daquela faculdade me deram um misto de cansaço e revolta, nada de graça, literalmente). Me locomovo da Glória até a Gávea justamente pra pagar todos as mensalidades atrasadas da minha querida faculdade, sob pânico total de não conseguir me matricular no próximo período letivo. Tudo pra me formar urgentemente e sair correndo de lá como a mais nova historiadora desempregada.
Um calor dos infernos, óculos escuros e um pouco de força de vontade pra não derreter no calor do asfalto e lembrar do ventilador novinho em folha que me espera em casa. Quase uma hora até chegar ao banco, mais alguns minutos na fila e enfim um pouco mais perto do nono período e bem mais pobre. Uma mulher estranhíssima atrás de mim, fico com medo e com pena. O rosto dela treme. Em alguns instantes e quase sem querer invento sua história de vida em segredo.
Caminho pelas ruas da Gávea em direção ao colégio onde estagiei e que depois de seis meses finalmente resolve devolver meus documentos. Dez passos saídos da faculdade e o mundo cai: uma chuva rebelde e frenética me encharca da cabeça aos pés como se olhasse pra mim e dissesse entre gargalhadas irônicas: quem mandou tirar o guarda-chuva da bolsa e enfiar na cara esses óculos gigantes que agora de nada te servem? Reconhecendo a derrota, abaixo a cabeça e saio correndo em busca de uma marquise salvadora. E tcha-nãm!, lá está um desses vendedores de guarda-chuva ambulantes que aparecem de repente quando começa a chover. Semi-deuses. De onde vêm em minutos de temporal com seus lindos guarda-chuvas pendurados no braço? Será que é do mesmo lugar pra onde vão as canetas bics que cismam em sua auto-declaração de alforria? Me nego a falar de duendes. O vendedor esfrega na minha cara que o preço do guarda-chuva é 10 reais, nem um centavo a mais, nem um centavo a menos. Saio irritada me perguntando por que diabos não é possível comprar um guarda-chuva por 5 reais na Gávea, se em todos os outros lugares é esse preço. Não compro.
Deixando de lado a possibilidade de seguir rumo ao colégio, entro num restaurante conhecido e resolvo almoçar. Quatro e meia da tarde e eu almoçando. Sento aliviada na cadeira com o prato já feito à minha frente e começo a ouvir ao fundo, baixinho, a voz do Caetano em uma música que carrega um pouco da minha história de vida recente. Há cerca de dois meses eu escrevi sua letra num papel e guardei junto com outras coisas que me chamavam atenção e me compunham. Se meu corpo fosse feito de palavras seriam essas todas, que anoto quase que diariamente em papéis pra que não se percam de mim, as que me construiriam. “Saudade até que é bom/ É melhor que caminhar vazio/ A esperança é um dom/ Que eu tenho em mim”. Lembranças se reconstroem na minha cabeça e outras invento na hora. Dá até uma vontade de chorar, tudo tão sensível, mas tão bonito. Acho bom e sorrio.
Saio de novo na rua e decido que definitivamente não vou mais me espantar com nada: um puta sol. Ponho de novo os óculos e passo perto do vendedor de guarda-chuva com um riso contido. Ahá! Eu venci. Resolvo os problemas na escola e pego um ônibus em direção ao Largo do Machado, minha segunda casa. Bizarramente um bueiro pegou fogo e a loja onde eu devia pegar uma calça que botei pra apertar está fechada. Andei emagrecendo horrores ultimamente. Finalmente posso ir pra casa, penso aliviada. Mas antes disso é CLARO que começa a chover de novo e eu resolvo pegar o metrô. Me sinto meio burra fazendo isso, eu poderia estar indo a pé e chegar em 15 minutos, como sempre faço. Acabo entrando no vagão das mulheres, normalmente é o mais vazio. E mesmo assim uma mulher do meu lado reclama estar a quase uma hora em pé na plataforma porque todos os vagões estavam passando lotados. Preciso fazer meu filme, concluo pela milésima vez.
Desço na Glória e caminho descompromissada pra casa, a essa altura a chuva nem mesmo me abala. Chego em casa pensando sobre tudo, esse ano estranho, cheio de novidades, tristezas, mudanças. Me sinto tão forte, e tão capaz. Sorrio de canto de boca enquanto uma lágrima escorre pelo meu rosto. O gosto é salgado e me lembra do mar. Enquanto a água doce da chuva cai ao meu redor e me molha por dentro.

“Não tem desespero não
Você me ensinou milhões de coisas
Tenho um sonho em minhas mãos
Amanhã será um novo dia”

3 comentários:

Tahian disse...

LINDA

I. D'Avila disse...

Que texto divino Diana! Nao contive o palavrão da exclamação quando li quase que gritando a ultima linha. "Tudo era apenas uma brincadeira/e foi crescendo, crescendo, me absovendo..." Conta exatamente a historia minha de sabado passado com a mesma letra na boca e gosto de cabo de guarda-chuva. É incrivel as coincidencias dos fatos. Incrivel Diana! Belissimo texto!

Aos Pés das Letras disse...

Diana, tive o privilégio de ler ouvir teu texto dos lábios de Isabelle e curti muito.
até pensei : puxa , será q ela permitiria (você) publicar na Mirante, revista alternativa q edito a 25 anos ?
será um privilegio pra mim.
ah parabéns pela tua criatividade nas fotos
como é bom ver talentos se expressando neste mundinho cultural de littlebrother.
grande beijo