11.12.07

“O deserto vermelho”

I
Ao final do filme prostrada na cadeira. Petrificada, os lugares ao seu redor vazios, prostrada em si mesma numa trama sem trilha sonora. Apenas os ruídos angustiantes de ambiente dramaticamente construído, rastros de indústrias corrosivas, chuva, neblina, fumaça e estagnação. Estava rasgada em cores de um colorido pastoso e sensual, se confundia entre cinza amarelo verde musgo e aquele vermelho gritante. Era todas as cores e ao mesmo tempo nenhuma. Vontade de rir e chorar, como o filme propunha, mas se conteve. Giuliana acabara de lhe revelar em surtos de apatia patológica e numa inconstância ávida por espaço toda a incomunicabilidade da alma humana. Giuliana era todo o ruído e o monocromático ao seu redor, ela era o silêncio e a vontade de gritar, a fome descontrolada, o medo, o vazio, ela era tudo o que tinha por dentro, e tinha tudo por dentro. Mas o que ficara nela de Giuliana era acima de tudo a beleza. Muda e perfeita.

II
Ao final do filme prostrada na cadeira. Era hora de se levantar e sair, ela sabia. Cedendo um pouco ao peso que o filme lhe proporcionara, ficou sentada por mais alguns segundos, tempo suficiente de olhar pra trás e vê-lo. Tinha uma beleza improvável que se confundia com uma certa estranheza, olhos claros, cabelo preto, nariz cuidadosamente desenhado e lábios grossos. Três segundos, não mais. Voltou a olhar pra frente, se levantou e saiu.
Ele estava logo à diante, viraram ambos à esquerda. Andavam pela mesma calçada quando ele, desapontando suas expectativas, virou à direita em uma rua transversal. Labirinto. Ela continuaria seguindo em ponto de fuga rumo ao metrô, amor e ódio. Mais alguns metros pelo deserto que eram as ruas do centro da cidade às quase dez horas da noite, caminhando com destino certo enquanto seus pensamentos se confundiam com aquela escuridão. Um dia digno de se transformar em história para cinema. Das mais clichês.
Quando atravessava a grande avenida pipocando de carros em alta velocidade, sentiu uma presença, se virou e foi então que teve certeza da histórinha de cinema. Era o menino-incógta, que aparentemente tinha mudado de idéia sobre seu caminho – ou não. Estranhou, mas gostou. Foram mais muitos metros caminhados lado-a-lado, mesma velocidade, um passo após o outro, enquanto desviavam das armadilhas urbanas daquelas ruas.
Sempre em silêncio, os dois desceram as escadas do metrô, compraram seus respectivos bilhetes, roleta passada, escolhendo os dois a mesma escada, o mesmo lado. Ela se posicionou em frente a um dos lugares onde a porta do trem se abriria, “atenção com o vão entre o trem e a plataforma”, lia pela milésima vez. Ele, na faixa ao lado. O trem chegou e se perceberam em frente a vagões diferentes. Ela olhou pro lado procurando-o, ele já estava olhando pra ela, continuou por um segundo, ela mal percebeu, confusão, as portas se abriram, todos entraram.
Senta no banco verde, lamenta pelo vão. Sorri prostrada no seu banco.

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