3.3.10

o amigo imaginado VI

pra manu fantinato, que me emprestou a imaginação

foi durante uma viagem pela bulgária que o arlequim ladrão de pensamentos veio parar nos meus braços pela primeira vez. mamãe me ensinou desde cedo que não se recusa presente, e tendo vindo este de minha avó, que lá morava, não tive escolha: o pequeno arlequim italiano cruzou os céus em minha companhia até o leme, onde foi condenado ao exílio das quatro paredes do meu quarto depois de traçado tão longo percurso. no fundo, eu admito, ele era até engraçadinho. mas meus parcos cinco anos de idade não me permitiam ver além dos membros que insistiam em balançar desengonçadamente e da cara de louco do rapaz dos losangos verdes. e o mais grave: durante a noite, enquanto eu dormia, o arlequim ficava me olhando e dessa forma lia todos os meus pensamentos. eu não podia permitir. afinal, até uma menina de cinco anos de idade tem seus segredos irreveláveis. a solução foi virá-lo de frente para a parede toda vez que eu fosse dormir. coitado. mesmo durante a noite, ele só queria ser meu amigo. e eu, injustamente, pondo-o de cara para uma parede branca e fria. apesar dos mal-entendidos, acabamos, depois de meses de convívio, fincando uma amizade que acompanhava a jornada do sol: os dois (a amizade e o sol) nasciam a se punham juntos, e dessa forma eu evitava contatos visuais noturnos com a figura. com o passar dos anos, o arlequim foi perdendo sua importância e acabou esquecido em cima de um armário. desconfio, embora não haja prova para tal, que andou fazendo amizade com um enorme rato rosa de pelúcia com quem compartilha a prateleira e que, durante a noite, rouba todos os segredos que um dia revelei a este, enquanto investe sobre ele seus infalíveis olhos de lince.

2 comentários:

manu disse...

ver nossas histórias pelos olhos dos outros é reinventar-se

manu disse...

na real é 'reinventar-nos', mas a gente releva...