8.10.09

Coreografia

As pontas dos dedos desfilam obsessões sobre a mesa. Batucadas silenciosamente desenhadas, unhas roídas nos cantos, dedos um pouco compridos demais. Os contornos de um filme mudo e em câmera lenta, sublinhada a intenção de um gesto, o peso do corpo nas pontas dos dedos. Cabelos longos. Sob a mesa, as pernas dobram e desdobram insinuando uma coreografia ensaiada: deslizar sobre o piso de taco, dobrar as esquinas do apartamento, saltar pelos móveis, sofás, estantes e pilhas de livros, lançar-se em giros, piruetas, evitar quedas, aterrissar e fim. Findo o ritual imaginado, o tronco se permite uma leve inclinação em sinal de reverência, espécie de auto-reconhecimento embalado ao som da felicidade secretada pelas pernas embaixo da mesa. As mãos se dedicam a aplausos silenciosos e – não é possível evitar - à mania despropositada de verter todo seu peso nas pontas dos dedos. Roídos demais, compridos demais, ansiosos demais, distraídos nessas pequenas obsessões. Depois, caminhar em linha reta até o quarto e entregar-se ao sono com a sensação diária de missão cumprida, dez em ponto.

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